“O AMBIENTE ACADÊMICO NÃO É RECEPTIVO ÀS MÃES E MENOS AINDA AOS SEUS FILHOS”, DIZ EMBAIXADORA DO PARENT IN SCIENCE NA UFSJ
Leticia Ribeiro de Paiva é professora do Departamento de Estatística, Física e Matemática da UFSJ - campus Alto Paraopeba, em Ouro Branco, onde atua no Programa de Pós-graduação em Física em Associação UFSJ-UNIFAL. É mãe de três filhos: Pedro (15 anos), Mateus (11 anos) e Heitor (7 anos). Com grande conhecimento de causa, é também a embaixadora do Parent in Science na UFSJ. Por isso, neste Dia das Mães, a ADUFSJ - Seção Sindical a convidou para falar sobre a difícil tarefa de conciliar a maternidade com a academia. Confira!
1 - Quais são os principais desafios enfrentados pelas mães em ambiente acadêmico?
Compartilhamos os desafios comuns às mães com outros trabalhos remunerados, como por exemplo a conciliação entre horários de trabalho, escola, atividades extra-escolares e consultas médicas das crianças. Em relação ao ambiente acadêmico, em particular, nós docentes sofremos pressão para atuar em pesquisa como nossos colegas sem filhos. Como os resultados precisam ser inéditos, a questão da competitividade é muito forte nesse meio, aumentando a carga - de culpa, de trabalho ou ambos - sobre a mãe que precisa dedicar muito do seu tempo aos filhos. Infelizmente, muitas mães abandonam suas linhas de pesquisa por não conseguirem manter-se produtivas nos níveis exigidos pelas agências de fomento. E sem apoio de tais agências é muito difícil desenvolver qualquer projeto.
Para as discentes, em especial as que estão em vulnerabilidade socioeconômica, são enormes os desafios para permanecer no curso com bom desempenho e ter acesso a programas de iniciação científica, por exemplo.
De forma geral, o ambiente acadêmico não é receptivo às mães e menos ainda aos seus filhos: mesmo nas universidades que oferecem creche, o número de vagas é insuficiente, restaurantes universitários não atendem os filhos dos discentes, banheiros raramente têm fraldários. Assim, se em uma eventualidade alguém da comunidade acadêmica - seja docente, discente ou técnico-administrativo - precisa levar seu filho para a universidade, são vários sinais indicando que ele não é bem vindo ali.
2 - Que medidas podem ser adotadas pelas instituições para mitigar esses desafios?
Uma medida essencial é a atualização das normas e resoluções da casa, incluindo a maternidade. Não podemos depender de empatia e bom senso, direitos básicos precisam estar garantidos. Por exemplo, a licença-maternidade para discentes de pós sem bolsa só recentemente foi implementada na UFSJ. A divulgação dos direitos das mães na universidade, bem como a clareza e a facilidade para que a comunidade acesse tais direitos também é importante. Licenças, prorrogações de prazos, critérios diferenciados em processos seletivos, canais para denúncia de assédio moral, tudo precisa estar amplamente disponível e o procedimento para que as mães usufruam seus direitos precisa ser simples. As mães estão sobrecarregadas, simplificar a burocracia é uma forma de tornar a universidade mais acolhedora. As creches dentro das universidades seriam um grande avanço, bem como flexibilização de prazos e a criação de grupos permanentes de trabalho para tratar da pauta.
3 - Como você acha que programas como o Parent in Science podem contribuir para promover a diversidade e a inclusão no ambiente acadêmico, especialmente para mães que enfrentam desafios específicos relacionados à maternidade?
Levantar a questão da maternidade no ambiente acadêmico já é um passo importante dado pelo Parent in Science, pois até pouco tempo esse assunto sequer era discutido. Promovendo palestras e debates conseguimos discutir o assunto, estimulando a empatia e acolhendo as mães que em muitos casos sentem-se excluídas e isoladas. Fazendo coleta e análise de dados, conseguimos mostrar de forma objetiva os impactos da maternidade na produção acadêmica, bem como mensurar o efeito de políticas para mitigar tais impactos. As embaixadoras do Parent nas universidades são referência dentro das suas instituições, amparando mães para que seus direitos sejam respeitados e intermediando o compartilhamento de experiências entre universidades diferentes. Finalmente, a partir das trocas com a comunidade universitária e da análise dos dados obtidos, podemos propor às pró-reitorias ações específicas dentro da instituição e às agências de fomento e órgãos do governo ações de amplo alcance. Em âmbito local, contribuímos na atualização das resoluções da casa para incluir a maternidade, trazendo a necessidade de fraldários em banheiros dentro do campus e outras demandas específicas. Já em âmbito nacional, atuamos para a inclusão da licença-maternidade no Currículo Lattes e para a inclusão de informações sobre a maternidade na Plataforma Sucupira. Também conseguimos que diferentes editais de financiamento considerassem os períodos de licença-maternidade na análise de currículos. E criamos e implementamos um programa de apoio financeiro às mães (o Programa Amanhã) via financiamento coletivo.
4- Como você vê a questão do equilíbrio entre vida profissional e familiar para as mães na academia? Existem estratégias eficazes para lidar com isso?
Esse equilíbrio, se é que ele existe, seria dinâmico. Não dá pra ser uma mãe, mulher, professora e pesquisadora tão boas quanto eu gostaria. Não há como fazer tudo bem-feito - pelo menos não simultaneamente. O que acaba acontecendo é que em alguns momentos eu vou me dedicar mais aos meus filhos e a pesquisa ficará um pouco de lado. E em outros eu estarei concentrada e envolvida na minha pesquisa e não serei uma mãe tão presente quanto meus filhos precisam. Lidamos com essa multiplicidade de papéis e os limites não são bem definidos. No meio de um experimento posso receber uma ligação da escola e precisar ir buscar meu filho. Ou precisar levar um artigo para ler enquanto as crianças brincam na praça. Já levei meus filhos a congressos comigo, às vezes preciso trazê-los para a universidade para poder trabalhar. É difícil aceitar essas renúncias, há várias outras demandas além dos filhos e do trabalho, as escolhas são diárias e dinâmicas. Não sei se é uma estratégia eficaz, mas tento ter paciência comigo, aceitar o fluxo do tempo, escolher minhas batalhas (impossível lutar todas!) e fazer o melhor que posso com o que eu tenho.
5- Em sua opinião, qual é a importância de discutir abertamente os desafios enfrentados pelas mães na academia e como isso pode levar a mudanças significativas?
Primeiro, essa discussão é importantíssima para amparar e acolher as mães. Então, para organizar e reivindicar as demandas levantadas. Por meio de pequenas medidas, possibilitamos a permanência das mães atuando em ciência e isso é essencial para todos - não apenas para as mães. Portanto, é fundamental que essa discussão não fique restrita às mulheres que são ou planejam ser mães. Garantir diversidade não é importante apenas para as pessoas que estão excluídas. A ciência precisa de pontos de vista e abordagens diversos. Assim, a ciência e a universidade como um todo precisam de diversidade para propor soluções para problemas em aberto, formular novas perguntas e, de forma geral, indicar novos caminhos.
6 - Como você imagina que o reconhecimento e a valorização do trabalho das mães na academia podem melhorar o ambiente de trabalho como um todo?
Sentir-se aceita e pertencente ao seu ambiente de trabalho devolve o protagonismo das mães nas suas próprias vidas. Com confiança, podem produzir mais e melhor, além de inspirar uma nova geração de cientistas. E toda a vivência que a maternidade possibilita confere às mães conhecimento, sensibilidade e habilidades que têm potencial de não apenas melhorar o ambiente de trabalho como um todo, mas também de trazer soluções e abordagens originais e que podem ser revolucionárias.
Parabenizo a Profa. Leticia e a ADUFSJ por essas ações! Na gravidez do meu 1o filho, fui uma acadêmica sem apoio... uma estudante que passou a gravidez "pagando greve" (3 semestres em um ano) e sem nenhum direito, mesmo depois do nascimento... tempos difíceis, pois sempre me dediquei aos estudos e sofri preconceitos de todos os lados (que cairia no rendimento... que não conseguiria me formar... que o filho me impediria de alcançar o que sonhei... que não seria uma boa mãe)... passei por todo tipo de culpa, mas me formei com a minha turma original... sei perfeitamente o que isso significou... na 2a gravidez, já era professora do magistério superior e tive direito a licença maternidade... naquela época, eram 4 meses... cobranças e preconceitos ainda existiam... os comentários eram que "minha produtividade cairia, com certeza"... enfim, fico feliz por saber que hoje a situação está melhor...