CENSURA NOS CAMPI DA UFSJ: CONFIRA A NOTA DAS ENTIDADES E O PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA DA ADUFSJ

No último dia 6/4, duas faixas questionando os custos da eleição de Bolsonaro foram retiradas arbitrariamente da fachada do Sinds-UFSJ

A forma arbitrária com que duas faixas foram retiradas da fachada da sede do Sindicato dos Servidores da UFSJ (Sinds-UFSJ), no Campus Santo Antônio, em São João del-Rei, no último dia 6 de abril, chocou a comunidade universitária e abriu o debate sobre a pertinência ou não da censura no ambiente universitário.

As faixas constituíam uma das mídias escolhidas pelo Comando de Greve do Sinds-UFSJ para a campanha salarial 2022. Questionavam os custos da eleição do presidente Jair Bolsonaro, apresentando números de vítimas da covid-19, do desastre ambiental dos últimos anos e dos cortes orçamentárias na educação, entre outros.

Confira aqui o  parecer jurídico pela assessoria jurídica da ADUFSJ – Seção Sindical sobre a inconstitucionalidade da persistência da censura nas instituições federais de ensino superior brasileiras.

Leia também a Nota Conjunta em que a Seção Sindical de Docentes da UFSJ (Adufsj - Seção Sindical), o Diretório Central dos Estudantes da UFSJ (DCE-UFSJ)  e o Comando de Greve do Sinds-UFSJ analisam a escalada da censura no governo Bolsonaro e repudiam a ação ocorrida na sede do Sindicato.

Censura nunca mais!!!!

Esse texto foi escrito e assinado pelas seguintes entidades representativas da comunidade acadêmica da UFSJ, ADUFSJ, Comando de Greve e Mobilização do Sinds/UFSJ (CLGM/SINDS/UFSJ) e DCE, diante da urgência e importância dessa discussão no momento atual que vivemos no Brasil.

Ditadura nunca mais! Censura nunca mais! Com certeza são afirmações com as quais todos, todas e todes concordamos teoricamente, mas nem sempre temos a consciência crítica para discernir na prática quais atos, ditos técnicos, abrem brechas para que essa realidade autoritária volte a nos assombrar.

Estamos em um momento em que o cerceamento do processo democrático está sendo ventilado como possibilidade real pela própria presidência da república, haja visto o aparelhamento de várias instituições que deveriam estar a serviço do Estado e não do governo.

Nesse sentido, silenciar a universidade tem sido um propósito desde o golpe de 2016. Vale lembrar que o Ministério da Educação já tentou ‘prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino’, no Ofício-Circular nº 4 de 2021/DIFES/SESU/SESU-MEC, que veio inclusive acompanhado de recomendações de um membro do Ministério Público Federal. Entre essas recomendações cabe destacar, dentre outras, a proibição do uso “de dependências físicas, o uso de bens móveis, materiais ou imateriais [das IFEs], para a promoção de eventos, protestos, manifestações etc. de natureza político-partidária, contrários ou favoráveis ao governo”.

Na mesma época, a Administração Pública Federal, enviou a diversos docentes um e-mail institucional no qual, em tom sitiante, sugere total reverência aos preceitos impressos no Manual de Conduta do Agente Público Civil do Poder Executivo Federal, sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal do servidor faltoso.

Com tais medidas, o Ministério da Educação intentou e continua intentando, sob todas as luzes, emudecer as vozes contrárias ao atual Governo que emergem e encontram eco no âmbito das Instituições Federais de Ensino. O Ministério buscava propiciar a perseguição daqueles que perfilham de posicionamentos políticos contrários ao atual estado das coisas, valendo-se, para tanto, de expedientes típicos de regimes totalitários.

Entretanto, na época, várias vozes se colocaram, incluindo a do Supremo Tribunal Federal, denunciando que o Ministério da Educação estava indo contra princípios caros da nossa Constituição, em especial aqueles que tutelam a livre manifestação do pensamento, a livre expressão da atividade intelectual, artística e científica, a liberdade de cátedra e a autonomia universitária.

Na mesma época, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou também sobre as investidas realizadas por autoridades policiais nas universidades durante as eleições gerais de 2018 (ADPF 548/DF), e foi enfático ao condenar toda e qualquer prática que, na linha das recentes providências adotadas pelo Ministério da Educação, intente calar as vozes dissonantes que borbulham no ambiente acadêmico.

A Ministra Cármen Lúcia, ao relatar o processo sobre essa questão, explicita que, “não há direito democrático sem respeito às liberdades. Não há pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente e à livre manifestação de todas as formas de apreender, aprender e manifestar a sua compreensão de mundo é algemar as liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia. Impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamentos é trancar a universidade, silenciar o estudante e amordaçar o professor. A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana. E tirania é o exato contrário de democracia”. Ainda, segundo a referida Ministra, “a liberdade de pensamento não é concessão do Estado, mas sim direito fundamental do indivíduo que pode até mesmo se contrapor ao Estado.”

A ministra continua: “O sistema constitucional vigente não permite que se arvore em titular de direito a invadir universidade, instituição plural em seu nome mesmo – universitas – menos ainda alegue estar a interpretar o direito. Quando tanto ocorre o direito impõe-se, porque soa sinal de alerta. A prática é, sob qualquer modo e meio pelo qual se a examine, contrário à dignidade  livre  da  pessoa,  à  autonomia  dos  espaços  de  ensinar  e aprender, do espaço social e político (no sentido clássico da polis) e ao princípio democrático, guardador da liberdade de pensar, manifestar-se, expressar-se, opinar e escolher o modelo de vida, de Estado, enfim de sociedade que se pretenda construir com Justiça”.

Todas essas manifestações, incluindo a dos sindicatos, fizeram com que o Ministério da Educação cancelasse o fatídico Ofício-Circular nº 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC, dizendo que esse ato não intentava coibir a liberdade de manifestação e expressão nas Instituições Federais de Ensino.

Entretanto, no rastro do projeto escola sem partido, o autoritarismo, incapaz de aceitar o lugar legítimo do outro, do diverso, do contraponto, continua intentando silenciar a universidade

E, a nosso ver, é isso que tem sido feito, a partir de uma interpretação da  RESOLUÇÃO  nº 001, de 23 de março de 2022, que “estabelece normas para a disponibilização das dependências físicas da Universidade Federal de São João del-Rei, para utilização com ou sem recursos audiovisuais, mediante Permissão ou Autorização de Uso, e dá outras providências”.

Nessa resolução consta a regulamentação do uso do espaço, com solicitação de autorização para colocação de faixas. O que não nos parece problema, o problema se encontra no entendimento equivocado do art. 16 que diz que é possível a gestão inutilizar materiais "cujos conteúdos forem considerados impróprios pelas respectivas Unidades Gerenciadoras" Art. 16, inciso III.

A questão é: O que seriam conteúdos impróprios?

Essa semana, fomos surpreendidos com algo inesperado. No dia 06/04/2022, sem aviso prévio e na calada da noite, foram retiradas as faixas colocadas pelo SINDs no espaço da universidade sob a alegação de conteúdo impróprio e partidário. Por e-mail, a primeira justificativa para retirada da faixa, via SALOG, dizia que a universidade é um “ambiente de discussão política, mas apartidária”.  Diante desse fato, o comando foi até o Reitor que apoiou a indignação dos servidores técnicos e as faixas foram recolocadas. Entretanto, alguns dias depois, o Sinds recebe um e-mail da prefeitura de campus reforçando o que havia sido colocado anteriomente pela SALOG, dizia o e-mail textualmente:

“Considerando a resolução 001/2022/Condi, solicitamos o recolhimento da faixa por apresentar cunho político-partidário. O Sindicato aluga a sala, no entanto, o prédio é da Universidade, motivo pelo qual deverá se submeter às normas da Instituição. Sugiro uma nova reunião com a Reitoria para deliberações sobre estes assuntos, considerando que teremos um longo caminho até as eleições.”

Nós, então, questionamos: É possível ser apartidário? De onde vem essa perspectiva do apartidarismo e do apolítico?

E, nós, respondemos para quem ainda não compreendeu a gravidade do momento: Vem de um campo ideológico que busca demonizar o processo democrático, que busca deslegitimar os outros pilares democráticos, do legislativo  e do judiciário. Portanto, esse discurso do apartidarismo é partidário e, não nos enganemos, partidário de um discurso totalitário. É importante que tenhamos consciência disso. Consciência crítica, como nos lembra Paulo Freire, para não sermos ingenuamente arautos de um discurso fascista, que silencia a diferença, principalmente em um momento em que estamos entre dois campos, o da democracia e o da milícia. Sei que muitos gostariam, mas ainda não há uma terceira via.

Por tudo isso, repudiamos e denunciaremos qualquer tipo de tentativa de nos calar. “É preciso estar atentos e fortes”, já dizia o poeta, sabendo que os nossos inimigos miram os sindicatos, porque sabem que eles ainda são um pilar de resistência importante, mas não nos enganemos o que eles querem é destruir a universidade pública crítica. E, a nossa história já mostrou do que eles são capazes para se manterem no poder.

Imagem: Redes sociais
 

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