POSICIONAMENTO DA DIRETORIA DA ADUFSJ SOBRE POSSIBILIDADE DE RETORNO PRESENCIAL DO CURSO DE MEDICINA

Com enorme surpresa tomamos conhecimento da decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSJ, em Assembleia Extraordinária ocorrida em 09/12/2020, que aprovou um relatório do Curso de Medicina indicando o retorno presencial das aulas do referido curso para janeiro de 2021. O assombro não se dá pela decisão em si, tomada em um órgão colegiado não somente legítimo como também respeitado por toda a comunidade acadêmica. Mas, o embate colocado entre instâncias deliberativas da UFSJ que encaminha a questão do retorno presencial da instituição de forma contraditória, colocando em dúvida o processo democrático com que têm sido tomadas as decisões dos órgãos superiores, em especial do Conselho Universitário, CONSU. 

O que orienta nossa inquietação e indignação é o desenrolar de fatos que, acreditamos, não traduzem as melhores práticas administrativas e ainda conduzem a tomadas de decisões cujas consequências estão insuficientemente apresentadas em um contexto de aumento da fragilidade sanitária nas regiões onde se situam os campi da UFSJ.

Assim, neste contexto o que se vê é o crescimento do número de infecções em todas as cidades onde a UFSJ tem seus campi, mas principalmente em São João del-Rei e Divinópolis, onde os cursos de medicina estão instalados. É de se espantar que os índices e o impacto do retorno de alunos a essas cidades, tenham sido pouco discutidos como foco principal da equação. Igualmente, perguntamo-nos como tal decisão se relaciona com as orientações do Comitê de Enfrentamento ao Covid-19 da UFSJ, cuja última ata pública é de 1º de setembro. 

São João del-Rei encontra-se, na data de hoje, ameaçada de retornar à zona vermelha e Divinópolis regressou à onda amarela na semana passada. Em ambas as cidades, os leitos de UTIs estão se esgotando e há alta ocupação dos leitos dos hospitais destinados ao tratamento de pacientes com covid-19. Quando a situação da pandemia se agrava, cumpre-nos questionar qual o benefício que teríamos decorrente de uma ampla mobilização de alunos, docentes e técnicos-administrativos para cumprir a determinação de retorno presencial das aulas laboratoriais da medicina, num contexto em que o governo genocida de Jair Bolsonaro sequer possui um plano de vacinação massiva da população brasileira.

É importante esclarecer que as aulas que estão em vias de serem retomadas são aquelas que acontecem dentro da universidade, as teóricas e laboratoriais. E em síntese, possivelmente nem sequer há o interesse ou pactuações, pelos profissionais e entidades de saúde, de que os estudantes de medicina retornem a essas práticas neste momento. A presença dos docentes e discentes, de todos os períodos do curso de medicina, em hospitais e Unidades Básicas de Saúde, centros de alto índice de transmissibilidade, representa muito mais um agravante sanitário do que uma possibilidade de contribuição para o enfrentamento da pandemia. 

Em um momento dramático como o que vivemos atualmente, devemos questionar: qual o interesse de expor nossos alunos, docentes, técnicos administrativos e população a riscos que podem ser evitados? Quem se responsabilizará por essas vidas caso sejam infectadas durante as atividades acadêmicas? Qual o impacto desta decisão acerca do curso de medicina sobre os demais cursos da universidade?

Contudo, embora estes aspectos até aqui levantados sejam importantes para pensarmos as repercussões de tal decisão, o que move nosso questionamento é muito mais a forma como as decisões são tomadas e informadas na UFSJ, constituindo-se o nosso cerne de preocupação no momento a integridade do processo democrático universitário

A definição do não retorno presencial intempestivo foi decisão do Conselho Universitário reafirmado pela Reitoria em reunião com a diretoria da ADUFSJ, e, portanto, não caberia que a questão fosse encaminhada ao CONEP. Explicamos melhor esses fatos em sequência. 

Tivemos acesso a um relatório discutido em Assembleia Departamental do Curso de Medicina, que advogava o retorno presencial das aulas no período do Ensino Remoto Emergencial 2 - ERE 2, a se iniciar em 25 de janeiro de 2021. O grupo de trabalho, que elaborou o relatório citado, presidido pela Pró-Reitora de Ensino e nomeado pela Portaria nº 054/UFSJ/PROEN, de 27 de novembro de 2020, foi criado para analisar a viabilidade de aulas presenciais nos cursos de Medicina no 2º período de Ensino Remoto Emergencial. 

Por maioria não quantificada, o relatório afirma que o grupo de trabalho considera viável o retorno das aulas práticas laboratoriais presenciais e em campus de prática do SUS nos cursos de medicina no ERE 2, desde que a discussão seja ampliada e sejam garantidas as medidas de biossegurança, e o respeito às recomendações do Comitê de Enfrentamento COVID-UFSJ. Destacamos aqui que o próprio relatório aponta para a necessidade inafastável de maior discussão do tema, de modo a reconhecer a importância da questão para toda a comunidade acadêmica. O que vimos a seguir não poderia se afastar mais da sugestão deste grupo de trabalho. 

A diretoria da ADUFSJ, então, aproveitou-se de reunião previamente solicitada à Reitoria, com outros pontos de pauta, para discutir as sinalizações de retorno presencial e os riscos para a comunidade acadêmica. A reunião ocorreu em 01 de dezembro de 2020. Na véspera, o Conselho Universitário da UFSJ, instância máxima da instituição, aprovou por unanimidade (com uma abstenção apenas, e contando com a presença de representante da medicina dentre os aprovantes) uma minuta de Resolução que trata sobre a regulamentação do trabalho no período da pandemia de Covid-19 e estabelece de forma clara, em seu art. 14, que não haverá retorno de atividades presenciais antes do término do 2º período de ensino remoto emergencial, estabelecido pela Resolução nº 08/2020 do CONEP para 17 de abril de 2021. Ainda nesta minuta aprovada no CONSU, consta, no art. 15, que o retorno presencial deverá acontecer em um processo gradual e que seu planejamento e a aprovação de suas diretrizes deverão ser feitos por todos os segmentos da UFSJ. Para tal, são colocadas as seguintes condições:

I - existência e acesso a vacinas e a toda a segurança sanitária necessária, tendo em vista também a Normativa do Conselho Nacional de Educação, que possibilita retorno presencial após dezembro de 2021.

II – parecer favorável do Comitê de Enfrentamento da Covid-19 da UFSJ. (minuta de Resolução aprovada no CONSU, em 30/11/2020)

Entendemos que uma Resolução aprovada sem oposição no CONSU é letra válida e inconteste, mas ainda assim questionamos a Reitoria acerca das possibilidades de retorno presencial, uma vez que o relatório da medicina estava circulando entre os professores do DEMED e já havia sido objeto de discussão em assembleia departamental. Cumpre salientar que, na ocasião da reunião com a diretoria da ADUFSJ, o Reitor manifestou desconhecimento quanto ao conteúdo do relatório do grupo de trabalho que autorizava o retorno das aulas presenciais no curso de Medicina. No mesmo dia, o Reitor, contando também com o aval da Vice-Reitora, nos assegurou que em sua gestão não haveria discurso de incentivo ao retorno presencial e que, surpreendido positivamente pela aprovação sem ressalvas no CONSU, estava respaldado pela Resolução citada. Preocupados com o andamento institucional da questão, fomos convidados a acompanhar a reunião do CONEP no dia seguinte (02/12), e assim o fizemos. No entanto, o relatório do grupo de trabalho da medicina foi apresentado apenas como informe, sem maiores discussões, o que nos levou a crer que o assunto estaria encerrado, uma vez que aquela seria a última reunião do CONEP no ano.

Como a pauta não foi cumprida, foi chamada uma reunião extraordinária para o dia 09 de dezembro, em que, surpreendentemente, o relatório do grupo de trabalho passou a figurar como ponto de pauta a ser deliberado, e é sobre a condução desta reunião em específico que levantamos nossas maiores objeções.

Até aqui o Conselho Universitário da UFSJ já havia definido a impossibilidade de retorno às aulas presenciais e a Reitoria já tinha firmado compromisso de não advogar este retorno, com seu correlato discurso de proteção à vida. Ainda assim, seguiu-se uma discussão de cerca de 2 horas sobre esse ponto de pauta, na qual essas posições institucionais - prévias e definitivas - não foram levantadas ou mencionadas. Apenas ao final da discussão, após aprovação do relatório, inclusive com um elevado índice de abstenções, é que o Reitor e Presidente do CONEP informou que aquele ponto precisaria ser levado ao CONSU, em virtude de regulamentação anterior - e superior. 

Todo esse processo relatado evidencia uma prática que tem se tornado comum na atual gestão da universidade e dos conselhos, na qual a forma de condução dos informes e dos debates dos itens de pauta ocasiona uma votação sem o devido conhecimento por parte dos conselheiros das implicações e dos termos discutidos, haja vista o número de abstenções na votação do parecer do relator da questão.

Não encontramos qualquer justificativa plausível para que a discussão no CONEP tenha se dado à revelia da Resolução aprovada no CONSU. A escolha deste caminho, somada à perda de centralidade do Comitê de Enfrentamento à Covid da UFSJ para definir questões relativas à segurança sanitária e, ainda, uma série de discursos contraditórios indicam um enfraquecimento dos espaços de discussão e da qualidade democrática em nossa instituição. 

Até o presente momento, 15h do dia 11 de dezembro de 2020, ainda não foi convocada reunião extraordinária do Conselho Universitário, sendo a previsão de próxima reunião para 21 de fevereiro de 2021. Aqui, recai sobre nós a imensa dúvida de qual será o momento oportuno para que o CONSU se debruce sobre a questão: no feriado natalino? no meio das férias docentes em janeiro? ou em fevereiro, quando a medicina já tiver retornado presencialmente alicerçada na decisão do CONEP?

É crucial que demarquemos esse lapso temporal porque já há inúmeras manifestações informais do possível retorno presencial das aulas no ERE 2, sem que sequer exista um plano de retorno e/ou protocolo de biossegurança criado e aprovado para a retomada das atividades presenciais. Enquanto a expectativa entre um grupo de docentes e discentes cresce, também se amplia o receio dos técnico-administrativos sobre as condições sanitárias de realização dessas atividades, já amplamente debatidas no Comitê de Enfrentamento à Covid-19 e no Conselho Universitário da UFSJ. 

O passar das horas e a não convocação de uma reunião do Conselho Universitário colaboram para a ampliação de um clima de instabilidade institucional. A despeito do incentivo proveniente de lei federal que corretamente visa orientar práticas médicas e sanitárias que possam contribuir para o enfrentamento da pandemia, seu uso para simples promoção de retorno de atividades internas - como o são as aulas práticas laboratoriais - coloca toda a UFSJ a reboque do voluntarismo de alguns grupos, uma vez que cria pressão que se espraia pelos docentes, discentes e técnicos do curso de medicina preocupados com as condições de retorno, que por sua vez se reflete nos demais cursos. 

Embasados no primeiro princípio da ADUFSJ referendado em Assembleia: o COMPROMISSO COM A VIDA!, posicionamo-nos pelo cumprimento imediato dos termos da Resolução aprovada no CONSU, que impede o retorno presencial de aulas na instituição sem um planejamento democraticamente construído em que se demonstrem asseguradas as condições sanitárias: o acesso à vacina e o parecer favorável do comitê de enfrentamento à Covid-19 da UFSJ. Sendo assim, somos radicalmente contrários a qualquer retorno intempestivo que imponha pressão e risco aos segmentos universitários e às comunidades em geral.  

Compartilhar